domingo, 4 de março de 2012

Uma Música Brutal 2 - Dançando com Lobos (Parte 1)

- Vamos, Suzy!!! Revele para nós quem era aquele cara!!! Duvido que não seja um novo namorado... – Samantha brincou.

- Por favor, garotas. Não insistam, vocês não vão querer saber! De verdade! – Disse Suzy.

- Ah, tenha certeza que sim! Qual é, anda escondendo coisas de nós duas??? – Letícia rebateu.

- É assim, Lê. Ela cutuca nossas histórias, mas não deixa a gente saber das dela... – Samantha provocou.

- Vocês querem mesmo saber? – Suzy perguntou já impaciente com a insistência da prima e da amiga.

- Claaaaro que queremos!!! – as duas quase formaram um coro.

- Era um cliente! – Suzy soltou com ar de provocação. Samantha e Letícia não entenderam o tom, então Suzy continuou. – É isso mesmo que vocês ouviram, ele era um cliente! Aliás, meu melhor cliente!

- Não sabia que tinha saído da empresa pra trabalhar por conta própria... – Samantha falou com ar de surpresa.

- Não sai da empresa, Samy! Aliás, nunca existiu empresa alguma!

- O que??? – a surpresa as fez falar em coro novamente, desta vez acompanhada de dois pares de olhinhos arregalados em direção à Suzy.

- Samantha está certa! Eu cutuco as histórias de vocês duas e nunca as deixo saber das minhas. Acho que está na hora de vocês saberem a “polêmica” verdade!

- Chega de suspense, Suzy! Fala logo... – Samantha pediu já receando o que sairia da boca de Suzy. Letícia apenas a olhava atenta.

- Sou uma.... “Acompanhante”! – Suzy achou melhor chamar assim.

- Acompanhante? – retrucou Letícia.

- Isso, uma acompanhante!

- O que isso quer dizer? – Samantha perguntou.





- Oras, Sammy... você sabe o que isso quer dizer! – Suzy falou balançando a cabeça em reprovação à Samantha. Samantha continuou com cara de “sabe nada”, então Suzy continuou. – Quer dizer que aquele homem que vocês viram comigo hoje me pagou para eu estar do lado dele! E qualquer outro homem que me queira assim, terá que pagar também! Pronto... falei... – Suzy falou encarando os olhos esbugalhados das amigas, esperando a reação das duas.

- Uma... uma... garota de programa? – Samantha rosnou.

- Calma, Sammy! Isso não soa tão ruim assim! – Letícia falou tentando acalmar Samantha.

- Isso não soa de forma alguma, nem mau nem bom! Isso é apenas uma profissão, aliás, a mais antiga delas! – Suzy protestou. Letícia agora abanava Samantha que ainda estava pálida. – Qual é o problema, Sammy? Pelo menos eu não dependo de ninguém! Quando você esteve fora não sabe o quão difícil foi me cuidar sozinha! Ainda mais depois do meu filho nascer e do pai dele morrer! Eu tive que sustentar ele e a avó dele, a mãe do pai dele que foi a única que me apoiou! – enquanto Suzy falava Samantha começava a chorar. Suzy, por um momento parou e refletiu, então continou. – Sinto muito se não esperava isso de mim, mas foi a única coisa que consegui quando precisei. Agora é a única coisa que eu sei fazer, a mais prática e a que me dá mais dinheiro! – ela foi dura.

- Mas não é a única coisa a se fazer! – Samantha gritou.

- Mas é a que me mantém! – Suzy gritou de volta.

- E a maldade? E as coisas ruins que acontecem? Eu vejo tanta notícia! Você está se arriscando! Está dando o que seu filho precisa nesse momento, mas se esquece de que ele vai precisar de você a vida toda! E se você morre? E se te matam? Pelo amor..., Suzy, você assiste televisão? Você vê as reportagens? – Samantha tentava se recompor.

- Se for por isso ninguém sai na rua! E eu me protejo! Quanto aos detalhes, já passei sim por muitas coisas, mas no fundo só serviram pra me fortalecer! – Suzy esbravejou.

- Sammy, Suzy, por favor! Parem de discutir! – Letícia pediu. As duas se voltaram para Letícia que começava a ofegar. As dores de um passado recente vez ou outra insistia em lhe aturdir toda vez que ela passava por algum momento de tensão, como o que estava acontecendo agora.

- Sinto muito, Lê! Eu vou embora... – Suzy falou pegando as chaves do carro e se dirigindo até a porta.

- Dê uma chance pra ela! – Letícia pediu a Samantha.

- Não me pede isso agora, Lê! Agora não... – Samantha falou abaixando a cabeça. Suzy fechou a porta atrás delas.


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Duas semanas se passaram. Samantha e Suzy ainda não haviam se procurado. Letícia tentava unir as duas, mas nada adiantava. Foi então que ela decidiu fazer um jantar na casa de Dérick e chamá-las. Mas pra isso, Letícia deveria se prevenir de duas coisas: a primeira é que as duas pudessem ficar juntas na mesma sala sem brigarem, a segunda é que o jantar realmente não parecesse uma desculpa esfarrapada para unir novamente as duas.

Depois de analisadas essas circunstâncias, Letícia chamou Dérick por telefone e contou o que pretendia, ele concordou. Depois disso foi a vez de contatar Carlos e contar-lhe a verdadeira intenção do jantar, para que ele pudesse auxiliar com Samantha; Carlos também concordou com a idéia. Para parecer espontâneo, Letícia também chamou Enzo, que deveria vir acompanhado de um casal de amigos que haviam se mudado recentemente para a cidade, Jonatas e Jéssica – que viviam uma relação BDSM *24/7 (24 horas por 7 dias – diz-se do casal que vive uma relação BDSM em tempo integral). Por último ficou a difícil tarefa de dobrar Susy, esta sim nem um pouco fácil. Depois de muitas tentativas de escape por parte de Susy, Letícia conseguiu convencê-la afirmando que era muito importante para ela que todos os amigos estivessem presentes.

- Tudo certo! – ela sorriu quando desligou o telefone. – Mãos a obra... – falou olhando preguiçosamente para a cozinha.

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Todos estavam sorridentes conversando na sala enquanto uma música ambiente tornava o clima mais aconchegante. Samantha e Letícia explanavam inocente porém curiosamente acerca de Jéssica sobre seu relacionamento de mais de 8 anos com Jonatas e também sobre suas aventuras dentro do centro de investigação criminal da polícia. Suas histórias eram surpreendentes, e conseguiam prender tanto a atenção de ambas que elas nem perceberam quando Susy adentrou a casa. Os homens da casa a viram e logo se levantaram para cumprimentá-la. Percebendo a movimentação, as três mulheres se levantaram também e, com exceção de Samantha, foram cumprimentá-la.

Susy cumprimentou a todos e logo entrou para se acomodar melhor. De longe ela pôde observar Samantha, ainda sentada no sofá, estava de costas para ela. Fazia certo tempo que não se viam nem se falavam e ela, por um momento, sentiu falta da intimidade que tinham quando estavam juntas. Se por um lado seu coração dizia: “Vá lá, fale com ela e peça desculpas pela briga que tiveram”, pelo outro sua razão a mal intencionava: “Não, não vá! Foi ela quem errou! É ela quem a está julgando, não você!”. E tomada pelo sim ou pelo não, Susy apenas se concentrou em ocupar seu tempo com a anfitriã e também sua amiga, Letícia; se aquele jantar era importante para Letícia, para ela também seria. Foi quando todos se sentaram novamente e Letícia tentou prosseguir o assunto que estavam tendo com Jéssica antes da chegada de Susy.

- Então, Jéssica, conte-nos o que os traz até nossa cidade! Enzo falou sobre um novo caso que estão investigando... – Letícia abordou.

- Oh sim, estamos sim em um novo caso! E, para nossa surpresa, seria na cidade onde Enzo construiu seu “castelo”. – ela sorriu se referindo ao clube de Enzo.

- Acho que perdi um pouco disso... – Susy sorriu.

- Oh, querida, acho que não a apresentei formalmente. – Letícia balançou a cabeça em reprovação a si mesma. – Esta é Jéssica e aquele ao lado de Enzo é o marido dela, Jonatas. Eles são do antigo departamento investigativo onde Enzo trabalhava até se mudar para cá. Os três são amigos de longa data. – finalizou Letícia passando a bola para Jéssica.

- Isso soa interessante! – Susy sorriu.

- Ou tanto quanto a sua história! – Samantha retrucou. Letícia olhou pasma e deu uma leve cotovelada na amiga.

- Desculpe-me? – Jéssica falou parecendo não compreender os códigos entre as amigas.

- Uma longa história certamente não tão bela quanto a sua! – Samantha falou fazendo um gesto com a mão. – Mas vamos, Jéssica, mate-nos a curiosidade! Como é ser casada com um detetive e dominador ao mesmo tempo? – ela sorriu amigavelmente para Jéssica, depois de ter feito uma pequena carranca em direção à Susy, que relevou em consideração à Letícia.

- Eu nunca pretendi ficar exatamente aos pés dele, mas hoje posso ver que estava enganada não me permitindo à isso... – Jéssica tinha um brilho todo surreal nos olhos ao falar de seu relacionamento com Jonatas. Só um burro não perceberia o quanto este casal era feliz, isto apenas pairava no ar e por onde eles transitavam.

- Oh, isso é tão... romântico... – Letícia sorriu.

- Quando a gente se envolve com as pessoas certas é exatamente nisso que dá, mas quando não... – Samantha jogou outra indireta para Susy.

- Céus, acho que não foi uma boa idéia, afinal... – Letícia suspirou baixinho. Susy sorriu para ela tentando tranqüilizá-la apesar do péssimo comportamento de sua prima. Jéssica que estava por fora de tudo, mas compreendeu perfeitamente que havia tensão entre as primas, então tentou mudar o foco para sua história, contando como havia conhecido Jonatas e da amizade fiel entre ele e Enzo. Algumas histórias picantes entraram no assunto, porém de forma um tanto superficial. E assim o assunto foi mudando e logo Jéssica estava contando satisfatoriamente sobre os casos que conseguiram resolver até os dias atuais.

- Mas Jonatas deve ficar com as tripas nas mãos quando te vê saindo assim com ele para tratar desses assuntos perigosos e dessas perseguições! – exclamou Letícia, surpresa com a força que Jéssica demonstrava ter.

- Ah sim, até hoje! – Jéssica sorriu. – Mas é meu trabalho e simplesmente amo o que faço. Ele até tentou, mas fiquei muito infeliz quando abandonei o trabalho a pedido dele. Foi uma decisão nossa que eu voltasse a trabalhar, pois eu acabava investigando mesmo sem estar na corporação. Ele concluiu que seria mais arriscado eu estar envolvida sem a proteção necessária que a corporação nos fornece.

- E agora, o quanto arriscado é este trabalho que vieram realizar? – Samantha interessou-se.

- Bem, não posso falar muito sobre, mas abro que se trata de tráfico de mulheres... – Jéssica falou parecendo entristecida. Ela realmente parecia muito envolvida e se importava com o trabalho e com as pessoas que podia salvar diariamente.

- Céus! – Letícia falou surpresa.

- E como chegaram a essa definição? – Samantha quis saber mais a fundo. Susy apenas a ouvia enquanto degustava uma taça de vinho, no fundo ela sabia que se soltasse alguma expressão Samantha faria questão de voltar o assunto de  novo para ela e sua “história” de vida, sendo assim, tratou de ficar calada.

- Recebemos algumas denúncias há um tempo atrás, desde então estamos colhendo provas contra os suspeitos. Infelizmente ainda não conseguimos o suficiente e a esperança para isto é aqui nesta cidade, onde supostamente ele vive. Infelizmente, agora mesmo, enquanto conversamos, pelo menos uma mulher pode estar sendo enviada para o exterior a fins de exploração sexual. – Jéssica concluiu ainda com o mesmo ar de tristesa.

- E como elas caem nessa? – Samantha continuou verificando. Parecia querer chegar algum ponto que Jéssica não estava entendendo.

- De diversas formas. Algumas são contratadas como modelos, outras já vão sabendo do que se trata, mas com a ilusão de que terá controle total sobre isso. Todas acabam confrontando com a dura realidade de virar praticamente uma escrava sexual em um país desconhecido, e o pior, sem nenhuma possibilidade de volta.

- Sei... me diz uma coisa... prostitutas caem nessa? – ela lançou um olhar desafiador e congelante em direção à Susy que pareceu ter estremecido da cabeça aos pés. Elas podiam pensar que não, mas ela estava prestando atenção em cada detalhe deste assunto.

- Temo que seja o que mais vem acontecendo! A ilusão do dinheiro farto e fácil em um outro país costuma chamar a atenção dessas moças. Porém o que elas encontram por lá é uma história totalmente diferente da que foi passada pra elas. Mas ainda assim são alvos fáceis...

- Aí está! – Samantha falou dando um estalo de dedos. – Você ouviu, Susy! Ouviu o que ela acabou de dizer! – ela concluiu feliz pela história fazer com que ela pareça mais convicta nas acusações contra a prima. Susy levantou a cabeça e lançou-lhe um olhar frio.

- O jantar está servido! – Letícia falou forçando um enorme sorriso. Na verdade ela quis evitar que Samantha falasse alguma coisa em relação à vida de Susy na frente de outras pessoas que acabaram de conhecer. Aquilo não dizia respeito à ninguém senão à Susy e não seria justo elas espalharem por aí.

- Parece cheirar deliciosamente bem! – Jéssica se levantou junto com Letícia sabendo que teria que evitar aquela situação nova para ela. Não por ela, pois estava acostumada a lidar com praticamente tudo, mas por Susy que parecia acuada diante da situação e provavelmente revidaria, transformando o jantar de Letícia em um verdadeiro “lavador de roupa suja”.

Todos se levantaram e se dirigiram à sala de jantar. Susy veio junto, mas não sem antes lançar outro olhar gélido à sua prima. O jantar deveria ser uma forma de fazer Samantha se calar, mas não adiantou muito, pois, desde que ela viu sua prima entrar pela porta, passou a beber além do considerável “normal”. O papo fluía tranquilamente bem durante o jantar até que Samantha resolveu atacar novamente.

- Sabe, Jonatas, estava aqui conversando com Jéssica e descobri que o trabalho que vocês vieram fazer aqui tem tudo a ver com o trabalho de Susy! – ela falou num sorriso cínico. – Não é mesmo, prima?!

- Ah é?! – Jonatas falou. – O que você faz, Susy? – ele perguntou sendo gentil. Jéssica passou a mão no rosto e balançou a cabeça como se debochasse de tamanha ingenuidade do marido ao cair na conversa de Samantha. Mas ela não podia culpá-lo afinal, ele não sabia do que se tratava.

- Oh, não é tão interessante quanto o de vocês! – Susy forçou um sorrido e tentou desviar o assunto. Jonatas consentiu com um sorriso.

- Ah sim, é muito interessante! – interpelou Samantha. – Só temo que não tão tarde ela necessite da proteção de vocês dois! Sabe, ela é um alvo em potencial... talvez até já conheça um de seus suspeitos!

- Do que está falando, Samantha?! – Carlos sorriu. – Susy trabalha em um escritório! Está muito longe desses problemas! – ele fez balançando a cabeça como se dissesse que a mulher havia bebido demais e não deveriam dar ouvidos a ela.

- Está enganado, Carlos! – Samantha falou firmemente. – Mas não te culpo, eu também estive! – ela se preparava para metralhar a verdade.

- Samantha, agora não é o momento! – Letícia esbravejou. Logo teve todos os olhares voltados para ela, principalmente o de Dérick.

- Está tudo bem com você, bebê? – ele pareceu preocupado. Letícia se levantou da mesa classicamente, sorrindo o quanto pôde.

- Está, Dérick, está! Eu... vou servir a sobremesa. Fiquem à vontade! – ela falou se retirando da sala e arrastando Samantha com ela. – Vem comigo!

Samantha se levantou com o limiar da culpa martelava em sua cabeça fazendo um par não muito romântico com a tontura que agora sentia depois de ter derramado tanto álcool dentro do estômago.

- O que estava pensando? Você não viu como a deixou? Isso é muito cruel da sua parte! Eu não a trouxe aqui para que você a envergonhasse na frente de nossos convidados e... – Letícia continuava o sermão para Samantha enquanto na sala de jantar todos já se levantavam de suas cadeiras.

- Susy, você está bem? – Carlos se aproximou tentando acolhê-la. Desde que passou a morar com Samantha, ele passou a conviver mais com ela. E agora tudo sobre essas três mulheres de sua vida o deixavam extremamente irritado se representasse algum risco, alguma tormenta ou algum perigo eminente.

- Sim, estou bem! – ela tranquilizou-o. Não havia motivo para ela ser rude com ele, afinal, ele sempre as defendia de tudo e de todos e agora parecia um amigo muito preocupado. Acima de tudo, um amigo; coisa que sua prima não estava sendo nos últimos tempos. Ela fez uma carranca quando lembrou da prima. – Só peça para Samantha ficar longe de mim, pelo menos enquanto não resolve me aceitar como sou!

- Creio que sua prima esteja em algum momento ruim... – Carlos começou.

- Não tente defendê-la! – Susy o interrompeu.

- Você sabe que não faço isso! Vocês três são muito queridas e eu não faço distinção entre vocês! Mas você sabe como Sammy é... explosiva. Dê mais tempo à ela, uma tempestade não dura muito tempo. Você sabe disso! – Carlos foi suave e cuidadoso com as palavras. Tentou ser gentil com ela, mas sabia que sua noite não estava muito boa e que, qualquer palavra que fosse não faria colocar isso no lugar. – É só o tempo... – repetiu ele

- Eu sei que está certo. – ela falou entristecida. – Uma hora ela cai em si... ou eu caio em mim. Depois do que ouvi hoje de Jéssica, não creio que Samantha esteja tão errada assim. – ela passou a considerar depois das horrorosas histórias que Jéssica contou sobre as meninas que eram seqüestradas e nunca mais voltavam. Ela chegou a estremecer por dentro quando se lembrou da parte “e nunca mais voltavam”. Ela não podia correr esse risco jamais. Não com um filho pra criar. Ele só dependia dela. E ela não podia faltar com a promessa que fez antes que o pai de seu filho morresse. Ela prometeu cuidar e proteger o menino. Não era certo falhar em uma promessa. Não quando a pessoa a quem se prometeu não se encontrava mais entre eles. Susy precisava urgentemente de ar puro. Ela sorriu para Carlos, que retribuiu o sorriso sincero, e depois se retirou para a varanda da casa.

O céu estava estrelado e o ar puro parecia limpar seus pulmões. Mas não por muito tempo. Susy logo puxou da bolsa seu maço de cigarros e levou um à boca. Depois puxou o isqueiro e acendeu seu cigarro numa agilidade tão rápida que até ela se sentiu envergonhada. Havia prometido parar por diversas vezes, mas sempre vinha alguma coisa para atrapalhar sua tentativa. Neste momento o “alguma coisa” era exatamente a incerteza sobre sua vida pessoal e, claro, sua briga interminável com sua prima que tanto amava. Pensamentos de algumas noites atrás passavam pela cabeça dela enquanto se mesclavam aos relatos que Jéssica havia feito sobre os casos das garotas seqüestradas. Arrepio passava em sua coluna vertebral inteira e um frio arruinava sua barriga de forma que a fez ter vontade de vomitar só de imaginar algumas das cenas descritas por Jéssica. Seus pensamentos foram interrompidos com um pigarro masculino soando atrás dela. Ela logo se apenas para se deparar com aquela figura estonteante encostada na porta.


- A noite não está sendo muito gentil com você hoje, não é mesmo docinho?! – a voz de Enzo soou encantadoramente gentil.

- Pronto! Alguém estava sendo, afinal! – ela pensou, mas não disse. – Parece que sim... – enfim ela soltou a voz, mas saiu tão fraca que podia jurar que ele não havia ouvido.

- E parece também que você não está ajudando muito! – ele falou apontando para o cigarro.

- Oh, isso te incomoda? Posso apagar se quiser! – ela falou tão condescendente que por um minuto se achou tola demais. Oras! Porque ela deveria apagar o cigarro afinal? Ela estava em seu lugar, foi ele quem foi atrás. Além do mais, lá era um local aberto e ninguém poderia multá-la por isso.

- Na verdade incomoda sim! – ele falou se aproximando. – E até gostaria que apagasse... mas você não parece disposta a fazê-lo então, prefiro que continue como quiser e que MINHA presença aqui não seja um incomodo pra você! – ele abriu um sorriso que, céus, misturando o cenário da noite estrelada com aquele ‘deus grego’, ela podia jurar que estava sonhando. – Estou errado? – ele perguntou fazendo-a despertar.

- Não, não está! – ela admitiu por fim. Deu outra tragada e voltou a falar. – É que estou acostumada a... – “agradar? Jura que você ia falar isso?”, ela pensou antes de soltar a última palavra. – bem, desculpe-me, estou meio confusa hoje... – ela recobrou o pouco da dignidade que ainda lhe sobrara aquela noite e por um momento se esforçou para não beijar Enzo.

Eles não eram muito próximos e, mesmo se encontrando vez ou outra em alguma reunião entre os amigos que tinham em comum, nunca haviam conversado antes. Ela era apenas a amiga de seus amigos e vice-versa. Ela também nunca pensou nele como algo além de um amigo de seus amigos. Mas naquela noite ele parecia tão preocupado, tão acolhedor, que era quase impossível resistir a tanto carinho vindo de um homem tão distinto quanto aquele. Ela teve que chacoalhar a cabeça para tentar livrar-se de alguns pensamentos impróprios com Enzo afinal, ela não esperava nada dele além daquela delicadeza depois de uma situação embaraçosa para ela. E também, Enzo fazia o tipo mandão assim como Dérick, logo não fazia muito o tipo dela... ou ela pensava que não. Ela deu um leve sorriso achando graça de seus pensamentos.

Enzo a observava acender seu segundo cigarro com muito penar. Não sabia ao certo o que estava se passando naquela cabecinha, mas deveria ser algo muito irritante, pois ela parecia meio fora de si, “alta” em seus pensamentos. Ele chegou a cogitar tomar o cigarro dela, mas reconsiderou. Pensou que se ela fosse dele já havia feito isso há muito tempo. “MINHA?”, ele sorriu com o pensamento. Não haviam trocado algumas palavras ao longo de todo esse tempo que se conheciam e ele já pensava na possibilidade dela ser DELE?! Ele também sorriu, e achou graça naquilo, apesar de saber que aquela linda mulher bem que merecia alguém que cuidasse muito bem dela. Ela parecia tão desolada naquele momento.

- Não devia fumar tanto! – ele considerou, olhando pra ela. Susy olhou para o cigarro e sorriu tímida quando percebeu que ele a observava.

- Um dia eu paro... – ela falou. Ele a observou com descrença. – Bem, não custa nada pensar que sim, huh?! – sorriu por fim sabendo que ele estava certo.

- Eu não sei no que trabalha, e acho que também não me diz respeito, mas, se isso envolve as pessoas de quem Jéssica e Jonatas estão atrás, é bom estar atenta. – ele tentou entrar delicadamente no assunto, mas delicadeza passava longe de Enzo. – Quero dizer que são pessoas perigosas e não deveria estar andando com gente assim, pode sair ferida ou até mesmo... você sabe! – ele preferiu não falar.

- Morta? – ela sorriu. – Fica frio, minha prima tem a mente fértil demais. Ela imagina coisas onde não tem. Além do mais, eu sei me cuidar muito bem! – ela pareceu forte ao falar, mas no fundo as imagens que criou em sua cabeça a partir dos relatos de Jéssica ainda a assustavam e ela não pôde disfarçar o arrepio que sentiu ao relembrar.

- Frio?

- Um pouco... – ela falou, mas antes que ela pudesse terminar ele estava colocando seu “sobretudo” em cima dela.

Deslizar aos mãos na pele sedosa de Susy o fez sentir também um arrepio que estava longe de ser reação ao frio. Pelo contrário, chamas invadiram seu corpo. Parecia estranho porque nunca sentiu isso com ela antes, mas também nunca havia ficado tão perto. E ela estava tão delicada, tão indefesa, que ele sentiu vontade de protegê-la de tudo e de todos que a pudessem machucar. De repente ele a estava vendo... mulher. E ele ficou surpreso pelo tanto de sentimentos que podia nutrir por alguém que nunca fez parte da vida pessoal dele. Ela o atraía agora, e de forma descomunal. Quando ela se virou e o encarou bem de perto, ele retrocedeu, então ela sorriu.

- Poderia ter me beijado, eu não mordo! – ela piscou.

- Desafiadora! Gosto disso! – ele falou em tom sério, mas agradável aos ouvidos. – Mas eu não faria agora! – ele finalizou olhando para o horizonte. Susy ficou boquiaberta. Ele acabara de dispensá-la? E com a maior naturalidade do mundo? Ela estava incrédula. Não era acostumada a ser dispensada assim, pelo contrário, sempre a desejavam. Por onde passava era o centro das atenções, e agora aquele cara estava ali, cheio de si, todo confiante e destruindo a única coisa que ainda a mantinha em pé naquele momento: a confiança em seu poder de sedução.

- Ótimo! Agora estou realmente envergonhada de ser tão oferecida! – ela falou sorrindo e balançando a cabeça em sua própria reprovação.

- Eu disse que não faria agora, mas não disse que não faria! – ele falou ainda com toda a naturalidade. Ela o observou. Como ele conseguia ser tão fodidamente confiante?

- Então eu não entendo... – ela ia prosseguir, mas Samantha apareceu de repente interrompendo o clima.




Continua...

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