terça-feira, 16 de agosto de 2011

Uma Música Brutal - Segundo Capítulo (parte 1)

Fomos o caminho todo sem trocar uma palavrinha sequer um com o outro. Victor vez ou outra passava a mão no meu rosto fazendo carinho, pegava minha mão e beijava, enfim, tentava ser carinhoso. Parou o carro a poucos metros da entrada da faculdade, pegou minha mão mais uma vez e a beijou. Acariciou meu rosto e depois me puxou para perto dele a fim de me dar um beijo.
- Hoje meu dia vai ser corrido, tenho reunião daqui a pouco e à tarde tenho algumas coisas pra resolver. Nos falamos à noite, tudo bem?! – ele perguntou, fiz que sim com a cabeça, dei tchau e fui pra aula.
Enquanto assistia à aula eu não tirava os olhos do relógio. Minha cabeça doía mais que tudo, eu não conseguia acompanhar nada do que o professor falava. Algumas de minhas amigas vez ou outra me cutucavam fazendo-me despertar de um cochilo. Outras me perguntavam se estava tudo bem comigo, pois minha aparência não estava muito boa naquela manhã. O professor também me chamava à atenção pedindo para que eu prestasse atenção nas explicações, pois eram importantíssimas e continuação para a próxima matéria que ele daria mais tarde. Pressionada pelas lembranças da noite mal dormida, pelas especulações de minhas amigas e pela voz do professor que agora entrava embaçada por meus ouvidos, acabei pedindo licença ao professor dizendo que não estava muito bem e que gostaria de ir pra casa. Ele falou que tudo bem, de qualquer forma não poderia me prender na sala mesmo, mas pediu que eu tentasse recuperar a matéria pegando anotações com alguma amiga. Eu concordei sem nem prestar atenção, queria mesmo era ir embora.
O caminho para casa foi rápido, mas o banho de mais de uma hora que tomei quando cheguei me deu tempo o suficiente para pensar em tudo o que vinha acontecendo no meu relacionamento com Victor. Ao final de tudo o que relevei cheguei à conclusão de que não poderia mais continuar vivendo aquilo. Não podia ficar com uma pessoa que não conseguia controlar seus instintos nem sua personalidade conturbada. Mesmo com todos estes pensamentos me atormentando, eu ainda não estava completamente decidida a dar fim ao meu namoro, meu pensamento era de no máximo tentar conversar novamente com Victor e exigir que ele parasse de me tratar daquele jeito ameaçando-o de deixá-lo caso ele não mudasse. Deitei no sofá, liguei a televisão e, mesmo em meio a tantos pensamentos, acabei pegando em sono profundo.


Acordei com meu telefone tocando, faltavam poucos minutos para o início do treino. Quando atendi vi que era Carlos do outro lado da linha. Carlos era um amigo de infância meu que também fazia parte do grupo de dança. Era o mais velho, o mais cabeça e por sinal o mentor de todos nós. Ele estava ligando para avisar que nós havíamos conseguido um espaço que há tanto tempo vínhamos batalhando para conseguir. Era um salão mais amplo, com espelhos espalhados por todos os lados e ficava perto de onde eu morava. Como resultado desta conquista, poderíamos abrir espaço para mais membros dentro de nosso grupo, e já tínhamos uma lista de pessoas interessadas em ingressar em nosso grupo. Faríamos naquela noite uma seleção, ainda no salão antigo, e Carlos pediu que eu fosse ajudá-lo nesta seleção, para terem uma opinião feminina durante o processo. Desliguei o telefone, me arrumei vestindo novamente um casaco e uma calça tentando cobrir as marcas do meu corpo. Em pouco tempo estava no salão. Eles já haviam arrumado antes e colocaram algumas mesas para que sentássemos para anotar as notas de cada avaliação. Como já havíamos feito uma pré-seleção, restaram apenas umas dez pessoas. Foi aí que começamos a seleção. De todos estes dançarinos eu tinha em particular o meu predileto: era um rapaz que tinha uns cinco anos a mais que eu, dançava com um estilo e determinação que era só dele, sem falar na sua criatividade, sempre inovando mesmo quando pedíamos para não sair do ensaio padrão. Ele se chamava Dérick, e com sua personalidade, claro, foi um dos seis qualificados que agora faziam parte do nosso grupo.
Naquela noite não ensaiamos nada, juntamos nossos novos integrantes e saímos para comemorar a nova formação do grupo e a conquista do novo salão de ensaio. Carlos, sempre observador, não deixou de fazer seu comentário pouco antes de sairmos do salão:
- Casaco e calça numa noite de calor? Aposto que andou caindo de novo! – ele falava andando atrás de mim. Eu parei e olhei para ele como quem dizia: “o que você tem haver com isso?!”, mas ele não se intimidou e continuou: - O bom é quando as quedas deixam marcas que a gente pode esconder...
- Eu não estou escondendo nada! – falei revidando. Carlos me puxou pelo braço e afastou meu casaco puxando para baixo do meu ombro. Logo de cara ele pôde perceber alguns arranhões e uma marca muito forte que se formou um pouco abaixo do meu pescoço. Eu me esquivei de Carlos e briguei com ele: - Nunca mais faça isso!
- Você podia ter esta mesma obstinação ao brigar com certas pessoas e até mesmo tomar algumas decisões das quais dependem sua vida! – ele insistia, tentando arrancar alguma coisa de mim, ou tentando me alertar.
- Não enche! – eu falei tomada tanto pela vergonha que sentia em ver que alguém sabia o que estava acontecendo quanto tomada pela raiva que tinha de ter que ouvir outra pessoa falar por mim.
- Lê, enquanto forem só marcas é fácil esconder ou relevar! Mas você tem que se cuidar! Em uma dessas outras “quedas” você pode acabar se machucando de forma grave! Mulher, abre o olho!
- Já falei pra não me chamar de mulher! Mania feia!!! – eu respondi sorrindo tentando mudar de assunto, mas ele pressionou meu braço e eu só balancei a cabeça, demonstrando que eu o estava entendendo perfeitamente.
A noite estava maravilhosa, fomos todos para uma lanchonete natureba que tinha ali perto. Como bons dançarinos, a maioria de nós tinha preocupação em cuidar do corpo e manter a forma. Dérick e eu sentamos próximos um do outro. O rapaz, além de seu talento na dança, demonstrava facilidade em fazer amigos e impressionar as pessoas; era agradavelmente engraçado e acabou se tornando a atração central da noite. Aquilo, claro, também me impressionou muito. Mas acho que também não fiquei para trás neste quesito, pois hora ou outra percebia a atenção dele toda voltada para mim e minhas histórias. No final da noite todos sugerimos que trocássemos telefones com os novatos, pois sempre estaríamos entrando em contato um com o outro. Para minha surpresa, Dérick foi o primeiro a pedir meu número, sentando ao meu lado e dizendo:
- Se suas outras histórias forem tão boas como as que contou aqui, eu vou pedir licença pra te ligar todos os dias! – ele falou brincando. Carlos se intrometeu na conversa, me fazendo lembrar de uma coisa, Victor!
- Só toma cuidado com o horário, é que tem um Pit Bull que costuma levar ela pra passear sabe. Ele adora atender o telefone dela! – Carlos falou me provocando. Mas Dérick não se intimidou:
- Eu posso lidar com os horários dela... – ele falou me passando um papel com o número dele e dizendo: - Foi bom conhecer vocês! Me liga um dia desses... – Dérick falou baixinho a última frase, e depois saiu de cena. Depois todos nos despedimos e Carlos foi me levar para casa.
- Valeu por tentar estragar minha noite! – eu falei irada.
- Não é por nada não, mas se até você acha que tocar no nome do seu próprio namorado numa conversa é acabar com sua noite, então eu acho que não preciso te falar mais nada sobre isso! Você não acha?
- Ah, cara, cala a boca!
- Mas é verdade! Aquele cara, por exemplo, que você conheceu hoje, o tal de Dérick, ele parece ser legal. Mas tenho certeza de que se ele tentar se aproximar de você sem que antes você tente se afastar do Victor, o Victor vai fazer alguma coisa para que você não tenha nem a chance de tentar ser amiga dele!
- O Victor nunca implicou com você! – eu falei tentando normalizar a situação.
- Acontece que quando ele te conheceu eu já fazia parte da sua vida e ele viu que não podia fazer nada quanto a isso! E mesmo assim, ele não vê perigo em mim! Já no Dérick...
- Eu nem dei idéia pra esse Dérick! Você tá é falando demais! Eu já tenho namorado, para de tentar arrumar outra pessoa pra mim!
- Não to tentando arrumar ninguém pra você, estou tentando ver que a pessoa com quem você convive não é a pessoa certa pra você! Só isso! Se eu conseguisse te fazer entender pelo menos isso eu juro que nunca mais me metia na sua vida, sua orgulhosa!
- Só quando precisasse de novo neh!? – eu falei sorrindo, pois conhecia perfeitamente o jeito de Carlos, era como um irmão para mim.
- É, só quando precisasse de novo! – ele respondeu sorrindo.
Quando entrei em casa, Victor estava me esperando com tudo preparado: DVD já no início do filme, um refrigerante de dois litros, pipoca, chocolate (pois ele sabia que eu adorava assistir filme comendo chocolate) e o sofá-cama já aberto cheio de almofadas em cima. Foi uma surpresa, pois ele nem havia me ligado ainda. Me recebeu com um abraço apertado e todos os mimos possíveis. Era sempre assim, eu já estava me acostumando, sempre que ele aprontava alguma coisa, como a que ele havia aprontado na noite anterior, eu já podia esperar que no outro dia ele me paparicasse com tudo o que eu tinha direito, e isso acabava me desarmando, de certa forma.
- Chocolate? – ele falou me oferecendo uma barra da que eu mais gostava.
- Bom, estou um pouco cheia, mas chocolate nunca é demais! – eu respondi sorrindo. Adorava quando ele me tratava com carinho, o que estava se tornando cada vez mais raro.
Peguei a barra de chocolate, mas fui direto tomar banho. Deixei a barra em cima da mesinha do computador, junto com as coisas que estavam dentro do bolso da minha calça: o celular, algumas balinhas, a nota fiscal da lanchonete em que lanchei mais cedo e, bem embolado com tudo, o papelzinho que Dérick havia me entregado antes de sair. Justamente o papelzinho com o telefone dele. Entrei no banheiro e nem percebi o grave erro que cometi deixando aquilo tudo à disposição de Victor. E a primeira coisa que ele fez depois que eu entrei no banho foi verificar meu celular e as coisas que eu havia deixado na mesa. Sai do banheiro e quando procurei não encontrei a barra de chocolate. Perguntei à Victor se ele havia visto, ao que ele respondeu:
- Está aqui amor!
Eu então me troquei e fui sentar-me ao lado de Victor no sofá para assistirmos o filme. Quando cheguei na sala ele já havia colocado o filme para rodar, típico dele.
- Nem me esperou! – eu reclamei enquanto me endireitava no sofá abraçando Victor. Ele me abraçou com um de seus braços e depois veio com o outro trazendo em sua mão meu celular, a barra de chocolate e, para meu desespero total, o papelzinho com o telefone de Dérick.
- De quem é este número? – ele perguntou calmamente, sem nem tirar os olhos do filme. Eu então respondi, tentando ser natural, que trocamos nossos números porque o grupo havia aumentado e novos integrantes haviam entrado naquela noite. Depois falei que aquele número era de uma das novas dançarinas do grupo. Ele então quis ligar para o número, falei que ia passar vergonha ligando para a “menina” numa hora daquelas e que ela já deveria até estar dormindo. Victor insistiu e acabou discando do meu celular. O telefone tocou algumas vezes e logo uma voz falava do outro lado da linha. Eu gelei na mesma hora em que ouvi Victor falar: - Oi, boa noite! Só um momento! – ele falou ao telefone, depois tampou e me passou o celular dizendo: - desculpa ter desconfiado de você... sua nova amiga atendeu, inventa aí qualquer desculpa pra ela!
Ela?!?!?! – eu pensei. – Como assim ela??? Será que ele tem namorada?!?! – eu especulava comigo mesma antes de pegar o telefone da mão do Victor. – Alô? – eu falei.
- Oi, você deve ser a Letícia neh?! É que Dérick salvou seu número aqui no celular! Aqui quem fala é uma amiga do Dérick! É que ele saiu e esqueceu o celular aqui. Eu falo pra ele retornar a ligação pra você assim que ele chegar, pode ser?! – a voz feminina falou do outro lado da linha. Senti alívio por dois motivos, primeiro: ela não era a namorada dele, segundo: se ele tivesse atendido ao telefone teria sido pior. Rapidamente tentei inventar uma desculpa que fizesse com que Victor pensasse que eu estava falando com a garota e ao mesmo tempo não fizesse a garota pensar que eu era maluca, então eu respondi:
- Não querida, não precisa! Eu ligo depois, tudo bem?! – falei como se conhecesse a pessoa do outro lado da linha. Victor me olhou sorrindo, eu correspondi enquanto desligava o telefone. Depois falei pra ele: - Ela estava ocupada, falou que ligava depois, aí eu falei que não precisava que eu mesma retornaria a ligação! Podemos assistir ao filme agora??? – eu falei rasgando o papelzinho sem que Victor percebesse.
- Agora sim podemos! – ele respondeu me abraçando. Tivemos uma noite tranqüila, assistimos ao filme, eu adormeci antes que o filme chegasse ao fim, depois Victor me levou até a cama, pois sabia que eu não gostava de dormir lá na sala.
Acordei pela manhã muito disposta, há tempos que Victor não me tratava daquela forma, com todo aquele carinho. Fora a noite que tive com os amigos e, ter conhecido Dérick mais a fundo foi muito legal. Victor, como sempre gostava de fazer, me levou até a faculdade. Ele viajaria naquela tarde a trabalho e só retornaria dentro de uma semana. Ele era do meio artístico (da área de música e produção), estava sempre atribulado com as novidades que não paravam de surgir no trabalho dele, enfim, era um cara bem sucedido na carreira, mas a vida não caminhava na mesma direção. Desde pequeno aprendeu a cuidar de si mesmo, já que havia perdido os pais em um acidente e os avós, que ficaram responsáveis por ele, também não tiveram muito tempo aqui na terra. Mas ele não era muito diferente de mim que, apesar de não ter perdido meus pais (que eram meus únicos familiares vivos), eles moravam muito longe e, pela minha correria do dia a dia, já não os visitava a mais de três anos. Eu morava na casa de uma “tia de consideração”, mas ela foi embora e eu tive que aprender a cuidar de mim mesma sozinha. E neste quesito eu até que estava indo muito bem, eu só falhava na parte em que deixava Victor fazer de mim seu brinquedo quando e como ele queria.
- Quero que use isto! – Victor falou momentos antes que eu saísse do carro, me entregando uma aliança de compromisso. – Semana que vem é nosso aniversário de namoro, um ano, lembra?! – ele continuou. Eu fiquei surpresa, na verdade estávamos passando por tanta coisa que a data de aniversário do nosso namoro ficou esquecida no tempo.

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