domingo, 4 de setembro de 2011

Uma Música Brutal - Quarto Capítulo (parte 1)


- Eu ia te contar em breve... – ele falou relutante. Victor ia puxar a coleira novamente, mas Mestre Enzo se interpôs entre nós dois e segurou a guia, retirando a coleira de meu pescoço. Eu o encarei assustada, mas ele lançou um olhar terno, como se tentasse me fazer confiar nele.
- Ela fica, você sai! – Mestre Enzo decretou. Victor se recolheu às suas limitações dentro daquele ambiente e se retirou, não sem antes deixar sua última ameaça.
- Isso não vai ficar assim! – ele advertiu.
Agora eu estava lá, sem a opressão de Victor, mas sob olhar intimidador de Dérick. No fundo eu sabia que se não fosse por ele eu jamais estaria livre de Victor, porém, as coisas que Victor havia dito sobre ele; sobre serem irmãos, sobre ele ter aprendido tudo com Victor e o fato dele não ter me contado nada antes me faziam suspeitar de suas intenções verdadeiras ao me libertar do irmão. Havia em mim certa dificuldade em tentar compreender ou sequer ouvir os motivos de Dérick, eu realmente não estava disposta a conversar, não ali. Naquele momento eu só estava interessada em sair daquele lugar, sozinha de preferência. Dérick, percebendo como meu psicológico estava alterado, não tentou conversar nem nada. Ficamos ali, sem nos falar, esperando Mestre Enzo (que havia saído para acompanhar Victor até a porta e se certificar que ele iria embora dali).
- A sua casa não é um local seguro, pelo menos por hoje! – Mestre Enzo falou chegando por trás de mim. – Há algum outro local que você possa ficar?
- Carlos... meu amigo... posso ficar no apartamento dele! – eu respondi abatida.
- Dérick, você a leva? – Mestre Enzo perguntou.
- Eu prefiro ir de táxi, se for possível! – eu rebati. Percebi inquietação no olhar de Dérick, mas ele não se opôs.


- Talvez seja melhor que você a leve, táxi também pode ser perigoso! – Dérick sugeriu, lembrando que o risco de Victor estar por perto ainda era eminente.
- Tem razão! – Mestre Enzo falou consentindo. – Eu a levo! Aproveito para passar na Delegacia para que ela possa registrar o Boletim de Ocorrência!
- Eu não quero! – eu me interpus novamente.
- Não quer o quê? – Mestre Enzo olhou, tentando compreender minha manifestação.
- Não quero registrar nada!
- Eu entendo que esteja com medo dele, mas é necessário! É uma forma de mantê-lo afastado! – disse Mestre Enzo, mesmo assim eu me negava.
- Letícia, para seu próprio bem, denuncie! Você está tendo uma oportunidade que a primeira namorada de meu bastardo irmão certamente gostaria de ter se ainda estivesse viva! Você me compreende agora?! – Dérick falou tentando me fazer entender o final trágico do qual eu “poderia” me livrar. Percebi que denunciar Victor não era uma opção e sim uma necessidade. Acabei consentindo e então eu e Mestre Enzo seguimos nosso caminho até a delegacia. Após registrar o B.O. ele me levou à casa de Carlos que nos recebeu muito assustado com meu estado ainda lívido e com as novas marcas que Victor havia me deixado; sem falar que Mestre Enzo era um estranho para Carlos que nunca o tinha visto antes.
Depois do choque inicial Mestre Enzo pôde explicar tudo o que havia acontecido no clube. Eu não precisei explicar o que havia acontecido antes de chegarmos lá, Carlos já acompanhava nosso relacionamento desde o início e nunca teve dúvidas das crueldades que Victor seria capaz de aprontar contra mim.
- O que importa é que ela está segura agora! Mas deve-se ter cuidado, Victor pode reaparecer a qualquer momento! – Mestre Enzo alertou antes de ir embora.
- Eu te avisei! – Carlos falou com ar de quem tinha razão.
- Mas disse também que Dérick era um cara legal e, no entanto... – eu revidei.
- No entanto não! Mulher, o cara te defendeu! Te ajudou a escapar sabe-se lá de quê! E...
- E mentiu pra mim! Aliás, para nós, porque você também não sabia que ele era irmão do Victor!
- Isso é irrelevante! Eles são irmãos, não são a mesma pessoa!
- Mas Victor praticamente o criou! Difícil imaginar que uma pessoa criada por Victor não tenha as mesmas tendências que ele!
- Mas...
- Sem mais, Carlos! Não tente justificar uma pessoa que nem mesmo tentou se defender! – falei lembrando que Dérick não havia nem tentado explicar toda aquela situação, nem o motivo da mentira. Talvez ele não tivesse feito isto porque sabia que aquele não era o momento, sabia que eu não o ouviria. Mas porque ele não tentou? Mestre Enzo havia nos deixado sozinho, talvez esperasse que nós conversássemos, mas Dérick nada disse, e eu, naquela tensão, preferi as explicações da minha cabeça. Dérick era um mentiroso, assim como Victor, e não era de se estranhar afinal, havia sido praticamente criado por ele. Talvez eu não devesse esperar por explicação nenhuma.


- Tudo bem, vou tentar entender seus motivos! Prometo não ser invasivo, você já passou por coisas demais em uma só noite, vou arrumar o quarto para você! – Carlos falou sendo condescendente. – A propósito, aquela minha proposta de um ano atrás ainda está de pé! Você pode vir morar aqui, o apartamento é grande e...
- Carlos, não vamos voltar a este assunto novamente, eu...
- Eu sei... sua necessária independência... – ele falou enquanto arrumava a cama no quarto. – Aqui você continuará sendo independente! Dividimos as contas, pode trazer todos os seus móveis para cá, mudar a decoração do apartamento por inteiro, todos os quartos são suítes e todos têm chave... qual é... não vai ser tão difícil assim... eu passo o dia todo no trabalho, depois vou direto ao treino! Mulher, você quase não vai ver minha cara, se esse é o problema! – Carlos finalizou abrindo um sorriso com carisma de irmão mais velho, todo protetor e cuidadoso.
- Não me chama de “mulher”! – eu falei tentando um sorriso. – Depois nós conversamos sobre isto, agora não! Por enquanto minha estadia aqui não é definitiva! – depois eu levantei e o abracei. – Você sempre foi muito atencioso comigo, eu não me sinto no direito de querer mais de você!
- Você é minha família, Letícia! É como uma irmãzinha que nunca tive! – Carlos falou correspondendo ao meu abraço. - Eu só não quero mais te ver passando pelo que vinha passando com Victor, só isso! Quero que fique segura!
- Eu já estou!
Passaram-se quase dois meses e nenhuma notícia de Victor nós tivemos. Mesmo assim eu ainda não havia voltado às minhas atividades normais; tranquei a faculdade, deixei de comparecer aos treinos, acabei perdendo a vaga de estágio, e tudo isto com medo do que podia me acontecer se algum dia Victor me encontrasse sozinha, sem a proteção de Carlos nem a da polícia. Aliás, aquela história de proteção policial era meio duvidosa para mim, afinal, quantos policiais da rua saberiam que eu estava sob proteção e que Victor estava oficialmente proibido de se aproximar de mim se nenhum deles sabiam da minha história? De que serviria afinal aquele boletim de ocorrência se Victor aparecesse em algum lugar onde não houvesse ninguém por perto, só eu e ele? Todas estas dúvidas sondavam minha cabeça e me impediam de sair às ruas desacompanhada.
Quanto à Dérick, ah... eu não parava de pensar nele em nenhum momento. Mesmo sem conseguir perdoá-lo, mesmo diante de tantas incertezas, eu dava tudo para sentir seu cheiro novamente. Seu toque delicado em meu corpo quando me conduzia em alguma dança... como ele me conduzia... ali estava a dura realidade que eu não queria enfrentar... ele me conduzia... ele me dominava... e gostava disso... assim como... Victor. E então eu me lembrava porque não permitia sua reaproximação, eu temia que ele fosse exatamente idêntico à Victor. O pior de tudo era que aquele mundo que me fora apresentado despertou em mim uma curiosidade intensa, um desejo que eu insistia em reprimir, em ocultar, com medo, sempre com medo, das conseqüências. Conseqüências estas que talvez só existissem se eu estivesse ainda nas mãos de Victor, mas como eu iria saber se eu fui apresentada à este mundo pelas mãos dele?! O “São, Seguro e Consensual” sobre o qual Mestre Enzo havia explicado à mim e a Carlos não entrava na minha cabeça afinal nunca coube em minha relação com Victor, será que caberia em minha relação com qualquer outra pessoa? Ou melhor, com qualquer outro Mestre/Dom? Eu não sabia... nem queria me arriscar a saber.

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