domingo, 11 de dezembro de 2011

Uma Música Brutal - Décimo Segundo Capítulo

Pelo menos uma coisa não havia acontecido mais, Victor parecia ter se distanciado. Nenhum outro sinal depois daquele dia. Apenas os pesadelos me atormentavam, era quase uma rotina. Eu agora tinha duas mais novas amigas. Suzy e Samantha se fizeram tão presentes quanto nunca. Nem parecíamos ter nos conhecido há tão pouco tempo. Já faziam dois meses depois da notícia de minha gravidez. Eu, obviamente, já estava tendo acompanhamento médico. Por ser uma dançarina ativa, a barriga estava demorando a aparecer e só meus seios já estavam começando a ficar inchados. Mas quem olhava não percebia que eu estava grávida, exceto pelo fato de estar tão sensível. Dérick e Carlos estavam bem mais atenciosos e cuidadosos comigo. Enfim eu tinha a família que nunca tive antes. Uma família diferente, mas uma família.

*****
A aula daquela manhã não estava rendendo para mim. Os enjôos decorrentes da gravidez eram outro sintoma forte e aquela sala de aula fechada repleta de perfumes de diferentes odores e marcas não estavam me fazendo muito bem. Mesmo assim resolvi assistir a aula até o final, pois em breve eu teria que trancar a faculdade e quanto mais adiantada eu estivesse melhor. A aula foi salva, mas os estudos da tarde tiveram que ficar para outra hora. Liguei para Dérick perguntando se ele poderia vir me buscar, mas ele estava com um pequeno problema no Clube dele e de Enzo, o Segredos das Mil e Uma Noites, mas conhecido como “Segredos” apenas . Ele até queria abandonar o que estava fazendo para vir ao meu encontro, mas eu pedi que não o fizesse. A última coisa que eu queria era parecer um “problema” para os outros. Carlos estava em outra cidade bem próxima, a trabalho. Só me restava incomodar outra pessoa...

- Alô, Samantha?


- Oi querida, está tudo bem?

- Sim, bem, na verdade queria saber se pode vir me buscar aqui na “facul”. A aula não está rendendo muito sabe...

- Claro que posso. Estou a caminho!

- Obrigada! – respondi aliviada.

*******
Estávamos a caminho de casa quando Samantha decidiu parar para almoçar.

- A gente não costuma dar nada por estes restaurantes alternativos, mas acredite, eles são uma ótima pedida! Venho com Carlos aqui vez ou outra. Sempre somos muito bem recebidos, além de podermos apreciar uma das melhores comidas caseiras desta cidade! – ela falou com entusiasmo enquanto estacionava o carro em frente ao pequeno restaurante. Percebeu meu desconforto quando encontrou meus olhos baixos. – Querida, se não estiver certa disso, podemos voltar numa outra hora. Não creio que um restaurante tão aprazível quanto este não fechará as portas tão cedo! – ela falou sendo amigável, mas eu não achei justo com ela e resolvi ceder.

- Nós iremos almoçar aqui. Afinal, o que pode dar errado em um simples almoço, não é mesmo?! – eu falei esboçando um sorriso. Samantha sorriu também. E então descemos seguindo para o restaurante. Samantha entrou cativa cumprimentando a todos os funcionários do restaurante. Parecia ser íntima de todos e por um instante eu podia considerar que ela fazia parte daquela equipe, mas era apenas seu jeito espontâneo e despojado que a fazia  ser tão querida aonde chegasse. Um homem loiro, de porte médio, alto, aparentando ter seus quarenta anos, cabelos levemente grisalhos,  veio nos receber.

- Júlio. – Samantha o cumprimentou beijando em seu rosto. – Sua mãe está? Quero que ela conheça alguém! – ela falou apontando para mim.

- Pode apresentá-la a mim primeiro, huh?! – ele falou sorrindo educadamente.

- Sim, claro. Júlio, esta é Letícia, uma linda e atraente mulher, como você certamente já deve ter observado. E este no dedo dela é seu anel de compromisso, uma vez que ela está praticamente casada! – ela falou com um sorriso irônico e satisfeito. – Vamos, Júlio. Seja ao menos educado com ela e lhe diga um “oi”! – ela acabou com uma gargalhada que não o acanhou. Ele parecia estar acostumado ao jeitinho quase irreverente de Samantha.

- O dia em que eu conseguir acertar com alguma mulher, certamente terei as portas de meus restaurantes fechadas! – ele sorriu. Eu não entendi, então ele veio me explicar. – É o que dizem, não? Sorte no amor, azar no jogo... ou nos negócios! – ele piscou sempre gentil. – Fiquem à vontade. Vou chamar Dona Juju! – Júlio falou se afastando.

- O que foi aquilo??? – eu perguntei aterrorizada.

- Não se preocupe com “aquilo”, ele supera! – Samantha respondeu sorrindo. – Júlio já foi namorado de Suzy e desde que ela o “abandonou” ele tenta achar alguém correto o suficiente para ele. Enfim, ele é uma boa pessoa, Suzy que não soube lidar com isso.

- É o que chamam por aí de “um bom partido”. Bonito, inteligente, atraente... o que há de errado com ela? – eu demonstrei curiosidade na pergunta. Apesar de Suzy estar bem próxima sempre que possível, sua vida era um livro aberto de páginas arrancadas. Ela nunca revelou cem por cento de suas vivências. Sabíamos tudo sobre ela, ao mesmo tempo em que não sabíamos de nada. Reservada? Não, de longe  certamente! Ela parecia na verdade estar escondendo um segredo sobre o qual ela nunca estava muito à vontade para nem sequer comentar conosco, que dirá dividi-lo com qualquer um de nós, inclusive sua prima.

- Ela não gosta de envolvimento. Eles se viam com freqüência, como dois namorados, mas quando ele tocou neste nome... “namorados”... ela praticamente fugiu, não dando chance a esse outro passo de um relacionamento normal. Ele ainda gosta muito dela. – Samantha refletiu consigo mesma. – Talvez precise mesmo encontrar um outro alguém para esquecer Suzy. O inferno é que eu os apresentei!

- Hum... ele disse “fechar as portas  de meus restaurantes”? Imaginei que só houvesse este! – falei mostrando o tamanho relativamente pequeno daquele modesto restaurante.

- É um negócio de família. Eles prezam pelo conforto e pela hospitalidade. Vê, fazem questão de receber seus clientes pessoalmente. Os outros restaurantes estão sob a direção dos outros irmãos de Júlio. Eles mantêm uma espécie de sociedade. Júlio é o único que ainda não se casou, por isso sua mãe, Dona Juju, ainda o acompanha neste restaurante. Os outros irmãos até reivindicam  a presença da mãe, mas desde que Suzy declarou que não teria um envolvimento sério com seu caçula ela não o deixa mais sozinho. Um bom filho sempre tem uma boa mãe por perto! – ela contou a história como quem admirava cada detalhe. Eu até faria mais perguntas sobre Suzy, aproveitando este “momento diário” de Samantha , mas Dona Juju logo veio nos receber.

- Querida Samantha. – Dona Juju veio abraçá-la. – E esta, quem é? – Dona Juju me olhou com um sorriso em seus lábios enrugados.

- Esta é Letícia. Trouxe ela para conhecer as delícias de sua cozinha!

- Ah, querida. Você já deve ter provado outros restaurantes certamente mais fascinantes que o nosso! – a senhora falou sendo modesta.

- Mas não com temperos tão afrodisíacos quanto são os que circulam por suas panelas!

- É um prazer conhecê-la, Letícia! – Dona Juju falou cumprimentando-me. – Sabe, quando Júlio disse que estava acompanhada de uma mulher, a princípio pensei se tratar de Suzy. Por pouco não venho falar com você, doce Samantha!  Quero me poupar de encontrar Suzy, mesmo ainda gostando muito dela... ela decepcionou meu caçula... e você deve imaginar que lidar com isso não é fácil para uma mãe zelosa! – ela e Samantha conversavam. Eu tinha meus pensamentos em outros lugares.

“Será que esta senhora ao menos desconfia que Samantha anda freqüentando casas de swingers?”, eu pensei de forma travessa. “Olha quem está falando ‘senhora freqüentadora de clubes sadomasoquistas!’”, apenas o pensamento do clube Segredos me fez estremecer.

- Está se sentindo bem, docinho? – Júlio perguntou conseguindo também a atenção de Samantha e Dona Juju sobre mim.

- Ela parece pálida! – Dona Juju constatou.

- Oh, querida. Sinto muito! – Samantha veio me segurar e me colocar na cadeira.

“Dérick me paga”, eu pensei lembrando que estava causando aquele rebuliço todo só porque havia tido uma pequena lembrança do clube Segredos. “Se elas soubessem...”, eu pensava tentando disfarçar o sorriso maroto que insistia em aparecer.

- Ela está grávida, Dona Juju. E, se bem a conheço, não deve ter colocado nada na boca até agora! – Samantha me encarou com olhar de reprovação, mas suave.

- Vamos providenciar algo! – Dona Juju falou. – E hoje será por conta da casa!

- Não Dona Juju, eu trouxe a convidada, eu tenho que pagar! – Samantha fez contrariada.

- Nada disso, menina! É meu presente pela gravidez! – Dona Juju falou.

- Mas... – Samantha tentou revidar, mas a senhora parecia irredutível.

- Não tente discutir comigo, docinho. Você sabe que eu sempre ganho! – Dona Juju falou se voltando para a cozinha. Júlio sorriu. Samantha sorriu também.

- Sua mãe continua não tendo jeito! Mas Júlio, eu acertarei com você!

- Não, querida. Ordens são ordens. Se mamãe disse que não devemos cobrar de vocês, então não acho que devo contrariá-la! – Júlio falou sorrindo e se afastando.

- Oras! – Samantha bufou. Eu sorri. Ela balançou a cabeça, mas depois voltou sua atenção à mim. – Você  está melhor, querida?

- Não foi nada... apenas uma vertigem... normal... – eu falei. – Mas me conte mais sobre como conheceu esta incrível família? – eu quis saber curiosa. Samantha me contou alguns detalhes e logo um dos garçons esta nos servindo. Fui obrigada a concordar com Letícia quanto a classificação da comida servida naquele restaurante. Era simplesmente divina!

Depois de satisfazer nosso apetite ficamos conversando mais um pouquinho com aquela agradável senhora. Ela nos contava histórias divertidas do passado enquanto nós a observávamos, atenciosas a cada comentário sobre suas aventuras de adolescente. Quando  o restaurante estava prestes a fechar, nos arrumamos e fomos para o apartamento.

- Me diverti bastante hoje, Samantha! Obrigada! Mesmo! – eu agradeci a atenção que ela teve comigo naquela tarde.

- Imagina, Lê. Eu também estava precisando me distrair um pouco. Acabei unindo o útil ao agradável! – ela sorriu. Ficamos sentadas no sofá conversando sobre assuntos variados quando de repente ouvimos a campainha do apartamento tocar. Eu fiz que ia levantar para atender, mas Samantha se ofereceu. – Pode deixar que eu vejo quem é, Lê. Tem que descansar um pouco mais! – Samantha falou se encaminhando para a porta. Ela abriu e conversou rapidamente com a pessoa. Depois Samantha entrou no apartamento com o homem a acompanhando.

- Querida, este homem está dizendo que você e Carlos contrataram um serviço de manutenção da TV à cabo?! – ela pareceu meio confusa. Eu levantei para falar que ele deveria estar enganado, pois não havíamos solicitado nada, mas acabei vacilando em minhas próprias pernas com o choque da visão que estava tendo. Samantha correu ao meu encontro, me ajudando a levantar. – O que há com você, querida?! É a segunda vez que tem reflexos hoje! Acho que devemos ir ao médico!

- Sa...Sa...Sa....Samantha... este homem... – eu tropeçava em minhas palavras. O ataque de pânico estava voltando e parecia mais eminente que antes.

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