domingo, 11 de dezembro de 2011

Uma Música Brutal - Décimo Quinto Capítulo


- Sinto muito... mas aconteceu... – eu murmurei. Ele balançou a cabeça.

- Sim, foi um acidente. Estou correto? – ele perguntou sem tirar as mãos de mim. Eu balancei a cabeça em afirmação. Então ele sorriu sarcasticamente. – Assim como isto aqui será tratado como um acidente! – Victor gritou me jogando contra o chão novamente. Eu cai me encolhendo, abraçada entre os joelhos. Ele abaixou também, puxou meu cabelo até que eu o encarasse. Fechei meus olhos instintivamente, pois o terror só fazia aumentar quando eu encarava aquele olhar frio de Victor em cima de mim. – Abra os olhos, sua vadia! – ele falou batendo em meus rosto repetidas vezes. Conseguiu por fim que eu abrisse os olhos. – Você não vai ter esse filho. Entendeu? – ele me balançou.

- Pelo amor de Deus, Victor. O que pretende fazer? – Victor não respondeu. Apenas levantou e parou a um passo da posição em que eu estava. Então ele aumentou o som que ainda repetia a mesma música insistentemente, tornando o ambiente mais assolador ainda. Então ele cuspiu acertando meu rosto.


- Pro inferno que você vai ter esse bebê! – Victor gritou acertando com um bicudo minha barriga. Uma vez, duas vez, três vezes. Eu me virei, ele me acompanhou. Novamente os chutes em minha direção, eu me sentia zonza, mas ainda protegia minha barriga. Então ele me virou e montou em cima de mim, agarrando minhas mãos para pará-las acima de minha cabeça. Segurou com um braço e com o outro apertou meu pescoço. Estava visivelmente fora de si. – Não tente me parar! Não tente se proteger! Só vai fazer isso demorar mais do que será necessário! – ele falou secamente. Eu gritava... de dor... de tristeza... sabia que ele não estava disposto a reconsiderar.

- Seu monstro! – esbravejei.

- Que seja! – ele gritou acertando minha barriga com socos por repetidas vezes. Eu, fraca, não conseguia mais me defender, muito menos revidar. Foi aí que ele levantou e novamente começou a me chutar, desta vez acertando exatamente na barriga. Uma vez, duas vezes, três vezes e na quarta eu senti uma dor muito aguda em meu ventre. Me contorci diversas vezes, ele parou de chutar e ficou observando. Tentei me levantar e me afastar dele, mas com todo o esforço que fiz só consegui me arrastar por alguns centímetros. Senti uma gosma se espalhar por baixo de meu corpo. Abaixei a cabeça para reparar e vi aquela poça de sangue inundar todo o chão a minha volta. Chorei, gritei, soquei o chão, mas nada adiantaria mais. Victor levou a vida que havia dentro de mim. Victor levou a minha vida. De repente vi tudo escuro e acabei imóvel naquele chão frio. 


Victor olhou para meu estado, estava caída no chão e imóvel. Então ele se desesperou. Rapidamente abriu a porta onde Samantha estava presa e a soltou de suas prisões. Puxando-a pelo braço a conduziu até onde eu estava. Ela deu um suspiro demorado como quem não acreditava no que estava vendo

- Eu acho que a matei. – Victor falou desesperado. – Vamos, sua estúpida! Faça algo!

- Mas o que vou fazer? – ela perguntou confusa, querendo chegar perto. Então ele a empurrou até mim. Eu abri os olhos devagarzinho e então Samantha viu que eu não estava morta, ainda. – Quanto sangue! – ela falou colocando as mãos na boca, surpresa.

- Meu bebê, Samantha... meu bebê... – eu murmurei.

- Seu bebê se foi, Letícia! – Victor esbravejou.

- Saia daqui! Deixe-me cuidar dela caso contrário ela também se vai em pouquíssimo tempo! – Samantha gritou enfrentando Victor. Ele me encarou atordoado e então resolveu sair de lá, deixando-me sozinha com Samantha.

- Que homem é este que faz uma merda dessa e depois sai como se nada estivesse acontecendo? – Samantha avaliou.

- Você o mandou embora. Precisamos da ajuda dele para me tirar daqui! – eu tentava soltar algumas palavras.

- Ele não iria te tirar daqui, Lê. Eu tenho certeza! E tem mais, Dérick jamais a teria deixado sozinha no estado em que se encontra! – ela finalizou. – Não converse, por favor. Buscarei neste quarto algo que seja útil para colocarmos em seus ferimentos! – eu consenti.

Em alguns minutos Samantha se virou com o que tinha pelo pequeno sótão. Achou álcool, esparadrapo e bandagens. Mesmo assim era insuficiente para meu estado. Eu ainda sangrava e tinha vertigens a todo o momento. Samantha me acolheu enquanto esperávamos que algum milagre me salvasse.

Um tempo mais tarde Victor abriu novamente a pequena porta que dava para fora e veio trazendo alguns medicamentos em suas mãos. Eu “cochilava” nos braços de Samantha.

- O sangramento cessou! – Victor constatou.

- Temos que levá-la ao médico. Ela não vai sobreviver assim! – Samantha protestou.

- Nem pense nisso! Não vai me convencer! – ele rosnou. – Tome estes medicamentos. Dê a ela quando ela sentir alguma dor. Vou ver o que posso fazer quanto a isso! – ele falou subindo novamente. Samantha acatou suas ordens e ministrou alguma dose de um daqueles medicamentos em mim. Então novamente estávamos esperando por outro milagre que talvez não viesse nunca.

Ficamos ali por horas e mais horas. Podíamos observar se era dia ou noite por um pequeno basculante que dava para um espaço verde do lado de fora. Victor não aparecia no calabouço faziam, pelas nossas contas, dois dias. Se ele estava arrependido pelo que fez? Eu não apostaria nisso! Samantha e eu nos alimentávamos das coisas que ele deixava no início da escada. Apenas abria a porta vertical e largava alguns suprimentos lá, se nenhuma pergunta, sem nenhuma palavra.

- Parece que estamos num pesadelo! – eu murmurei ainda debilitada.

- Vamos sair dessa, querida! – Samantha me reconfortava. Ela saiu para o banheiro para limpar algumas coisas (só tínhamos água lá). Então de repente eu ouvi um som que me parecia familiar. Um carro. Dérick?

- Ei Samantha, este é o barulho do carro de Dérick! – eu a chamei. Enfim havia alguma luz no fim do túnel.

- Querida, como pode saber se é o carro de Dérick? – ela duvidou.

- Eu sentiria sua presença onde quer que eu esteja, se ele estivesse lá também! E posso assegurá-la: ele está aqui!

Quando eu terminei de falar escutamos uma campainha tocar. Samantha ia falar algo, mas eu pedi com gesto para que ela continuasse em silêncio. Novamente a campainha tocou. Escutamos passos.

- Estamos na casa de Victor! – eu afirmei com toda a certeza do mundo.

- Está certa do que está me dizendo, Letícia?! – Samantha averiguou.

- Sim. Essa campainha... tem o toque diferente. Victor mudou depois de ter tantas vezes confundido com a campainha do vizinho que fez a casa praticamente grudada na dele e instalou uma campainha que podemos ouvir até do lado de fora da casa.

- Então Dérick veio te procurar!

- Tenho certeza que sim! Ele vai nos encontrar! – Nós ficamos felizes sem ao menos cogitar a idéia de que estávamos vivendo em um sótão que nem eu mesma nunca havia visto antes.

Ficamos esperando por cerca de quase meia hora até que ouvimos novamente o barulho do carro sendo ligado. Olhamos uma para a outra tentando entender. Se Dérick estava lá, porque não nos procurou? Era uma incógnita que não teríamos como resolver até que Victor contasse o que estava acontecendo. Então a porta do calabouço se abriu e Victor desceu com cara de preocupado.

- Dérick estava aí! – eu afirmei pegando-o desprevinido.

- Não era Dérick! – ele vacilou na afirmação.

- Tenho certeza de que era ele!

- Como você está? – ele perguntou fazendo-me perceber que era por puro desencargo de consciência.

- Como eu deveria estar? – perguntei com birra.

- Estou vendo que está melhor! – ele retrucou.

- Se dependesse de você ela já estaria morta! – Samantha o enfureceu.

- Mas não está! – ele enfrentou.

- Dérick veio me procurar, tenho certeza! – eu o desafiei.

- Ele já sabia que estava aqui! – Victor mentiu. – Se quer saber, ele está pouco se importando!

- Eu não acredito em você! – eu revidei.

- Pois acredite. Se ele quisesse já teria encontrado vocês duas! – Victor falou saindo do calabouço e trancando a porta do lado de fora.

- Não acredite no que ele está dizendo, Lê! – Samantha tentou me confortar quando percebeu minha falta de esperança.

- Mas porque ele não entrou? Ele deveria ter entrado! Deveria saber que eu estava aqui assim como eu soube desde o primeiro momento que era ele quem havia entrado na casa!

- Talvez ele tenha um plano!

- Talvez! – eu falei cabisbaixa. – Só podemos esperar por isso, huh?! – Samantha balançou a cabeça e deu um sorriso quase falho. Pelo visto eu não era a única descrente ali.

Passamos mais três dias, após a primeira visita, trancadas naquele calabouço. Victor agora não levava nada para nós duas. Estávamos definhando lá dentro e ele parecia pouco preocupado com o fato de que não poderíamos sobreviver por muito tempo sem colocar algo sólido na boca. Eu tinha febres altas desde o dia que sofri o aborto, mas Samantha curava com remédios. Naquele terceiro dia a campainha novamente tocou, mas desta vez eu não havia ouvido barulho algum de carro. Esperamos por algum tempo e não obtivemos nenhuma resposta. Alguns minutos mais tarde nós ouvimos barulho de móveis se arrastando e algumas coisas sendo quebradas. Ficamos assustadas, não fazíamos idéia do que estava acontecendo lá em cima. Mais alguns minutos depois e vimos a porta do calabouço se abrir, trazendo novamente luz para o ambiente. Era Victor quem descia.

- Coloque as algemas! – ele falou olhando para Samantha. – Deixe que eu cuide de Letícia! – Victor me pegou no colo, ele parecia bastante nervoso, como se algo o incomodasse. Eu estava mais debilitada devido ao aborto que sofri no primeiro dia. – Vamos subir essas escadas. Você vai na frente! – falou com Samantha. Ela obedeceu. Ele veio atrás, comigo no colo. O clarão de luz que recebemos nos olhos quando alcançamos o piso superior da casa nos fez ficarmos zonzas e desorientadas. Se eu não conseguia enxergar nada, presumi que Samantha enxergava muito menos. Mesmo assim ela juntou suas forças, e eu não imaginava de onde, e se soltou das garras de Victor. Ele, me carregando no colo, não pôde correr atrás dela. Samantha, mesmo ainda não enxergando bem, correu pela casa tentando achar uma saída. A casa de Victor era grande, composta de vários salões, e eu logo a perdi de vista enquanto tentava impedir que Victor corresse atrás dela. Eu não sabia o que ela pretendia, nem se encontraria alguma saída, mas qualquer plano seria melhor do que esperarmos de braços cruzados.

Não consegui mais lutar contra as forças de Victor e acabei o soltando. Ele me empurrou para longe e seguiu atrás de algum vestígio de Samantha. Eu fiquei ali no chão, ansiosa, esperando o que aconteceria. Esperando para saber se Samantha havia conseguido se libertar. Ainda havia um fio de esperança e eu não queria acreditar que pudéssemos tê-lo desperdiçado numa tentativa frustrada de escaparmos das mãos de Victor. Foi então que vi Victor seguindo em minha direção e me levantando bruscamente... sem Samantha. Um suspiro de alívio percorreu todo o meu ser. Enfim ela poderia buscar ajuda. Então encarei Victor e refleti: espero que seja breve, pois não creio que ele me deixaria em paz por muito tempo.

- Sua amiga só conseguiu fazer com que você corra um risco ainda maior! – ele me apertou contra seu peito. – Escute bem, Letícia! Eu não entrei para perder! Eu não pretendo perder! E você será minha recompensa depois que tudo acabar! – Victor soava aterrorizantemente ameaçador. Eu senti calafrios, mas ainda confiava na força de Samantha. Ela traria Dérick para me salvar. – Vamos embora! – “O quê?”

- Para onde vamos? – eu perguntei desesperada. Na verdade esperava que pudéssemos ficar lá até que Dérick viesse me buscar. Como fui tola! Depois que Samantha fugiu seria realmente muito difícil que Victor ficasse lá esperando pelo meu resgate. –Eu não vou a lugar nenhum com você! – falei me jogando no chão, deixando as penas amolecerem. Victor tentou me colocar de pé várias vezes, mas eu não cooperei. Então ele tentou me jogar no colo dele, e eu tive que me debater muito para impedir que ele conseguisse me levar assim. Por fim ele me jogou no chão, parecendo ter desistido da luta.

- Você pensa que é esperta, sua vadia? Eu sou mais! – Victor prendeu meus pulsos e minhas pernas, depois me arrastou pela casa até chegarmos ao quarto principal. Ele me jogou para dentro e logo trancou a porta, colocando a chave no bolso.

- Eu conheço seu olhar! Dérick voltou, não é verdade?! – eu o desafiei. – Eu sabia! Por isso está com tanto medo! Sabe que não tem chance nenhuma contra ele! – prossegui. Victor soltou uma sonora gargalhada não se dando ao trabalho de responder. O que me deixou mais agoniada ainda. Ele me levantou e me arrastou até a cama. Eu sentia vertigens e ia caindo sendo reerguida por fortes puxões. De repente alguém bateu à porta quase derrubando-a.

- Victor! – era Dérick.

- Abra caso contrário derrubamos a porta! – Carlos se manifestou.

- Se derrubarem a porta Letícia morre! – Victor ameaçou.

- Calma. Vamos conversar, Victor! – Dérick apaziguou. – Em nome dos velhos tempos, quando éramos unidos. Em nome de tudo o que me ensinou. Vamos conversar!

- Você não aprendeu nada! – Victor gritou.

- Qual é, cara! Alguma coisa eu aprendi. Principalmente a não desafiar você. Você venceu! E eu vim me juntar à você!

- E porque Carlos está aí com você? – Victor ponderou.

- Ele não está mais. Convenci o babaca a ir embora! Eu nem teria trago ele, mas Samantha insistiu que ele voltasse comigo. Mas agora ele se foi e eu fiquei para te ajudar a levar Letícia embora daqui... para onde você quiser!

- Não acha que estou acreditando em você, não é mesmo?! – Victor perguntou vacilando.

- Cara, eu tive várias oportunidades de ferrar você e não o fiz. Você é meu irmão, eu não faria nada que o prejudicasse. Em nome da mamãe também. Ela não ia gostar de ver nós dois assim, brigando! – Dérick tentava tocar no ponto fraco de Victor quando falava sobre a mãe deles. E pareceu funcionar.

- Tem certeza de que Carlos não está com você?!

- Absoluta. Eu o mandei embora!

- Está certo. Vou destrancar a porta, mas só abra quando eu disser que pode. Lembre-se de que Letícia está aqui comigo e que qualquer movimento em falso seu pode resultar na morte dela! – Victor ameaçou.

- Estou tranqüilo. Não estou aqui por ela, afinal. Estou aqui por você e por nossa amizade!

Dérick falava de forma tão convincente que até eu acreditei que fosse verdade. E agora eu me sentia perdida. Se Dérick se unisse a Victor, eu não teria chance alguma. E tudo o que ele havia dito antes sobre os dois me fez acreditar que ele realmente não estava lá por mim. Eu me senti triste, fraca e indefesa. Tão desprotegida quanto um ratinho cercado por leões.

Victor me prendeu aos pés da cama e depois foi abrir a porta. Quando voltou, antes de mandar que Dérick entrasse, ele se armou com um canivete e o apertou contra meu pescoço. Respirando bem fundo ele ordenou:

- Abra a porta vagarosamente!

Dérick obedeceu e de forma bem lenta foi abrindo a porta. Victor pode certificar-se de que Carlos não estava mais lá e eu de que Dérick estava falando sério quando disse que não veio por mim. Aquilo foi um choque e eu novamente fui tomada por vertigens e um aperto imenso no coração. Dérick, assim que conseguiu a porta completamente aberta, logo percorreu o quarto com os olhos e parou apenas quando me encontrou amarrada à cama. Seus olhos pareciam raios de trovão acertando cada parte desnuda de meu corpo. Vi o desejo faiscar, mas também uma fúria incontestável quando ele apertou os lábios em reprovação. Depois voltou seus olhos para Victor e forçou um leve sorriso ao encará-lo. Se aquilo não era uma prova de que ele estava realmente ali por mim, eu não sei o que mais poderia ser.

- Falei que não deveria se preocupar. Estou sozinho e sem armas! – Dérick falou levantando os braços.

- Feche a porta! – Victor ordenou. Dérick fez. – Agora coloque isso! – Victor falou jogando uma algema em direção a Dérick.

- Isso não soa como um voto de confiança! – Dérick protestou. – Como vou ajudar você a levar Letícia para longe daqui se tiver que usar isso?!

- Oras, caro irmão. Você não acha mesmo que consegue me enganar com seus falsos discursos de amizade, não?! Está me chamando de tolo? – Victor endureceu. – Você acha que não vi o olhar que lançou a Letícia assim que abriu essa porta? Coloque logo isso caso contrário ela morre! – Victor apertou o canivete contra meu pescoço. Eu gemi sentindo dor, Dérick se apressou colocando as algemas, me olhando com preocupação.

- Não a machuque ou eu mato você, seu bastardo! – Dérick esbravejou.

- Sei. Você está numa posição muito favorável para me fazer ameaça! – Victor falou sorrindo. – Agora venha até aqui! – Victor apontou. Foi um ótimo pretexto para Dérick se aproximar mais ainda.

- Porque ela está tão pálida? – Dérick se inquietou.

- Acho que perdeu muito sangue! – Victor considerou me encarando sério. – Também está febril! – ele completou.

- O que você fez, seu idiota? – Dérick perguntou andando em passos lentos, se aproximando.

- O que eu fiz? O que você fez! Quem te deu permissão para engravidar a MINHA submissa?! – Victor grunhiu.

- Não pode estar falando sério! – Dérick rosnou ao perceber o que aquela frase significava.

- Samantha não contou? Letícia sofreu um aborto! Bem... foi meio que forçado! – Victor tinha um sorriso sínico no rosto.

- Seu canalha! – Dérick avançou quando estava bem próximo, saltando com um chute que acertou em cheio o rosto de Victor. Ele caiu um pouco distante de mim. O canivete chegou a arrastar um pouco, mas só marcou fazendo uma lista vermelha em meu pescoço. Dérick prosseguiu avançando em Victor que se levantou bem na hora acertando um soco no estômago de Dérick que revidou. Victor estremeceu e veio para cima de Dérick com o canivete na mão, ele tentou se desvencilhar mas Victor acabou acertando seu braço, fazendo um corte de tamanho mediano. Dérick se encolheu tentando cessar o sangue que escorria de seu braço, foi quando Victor se aproveitou deste momento indefeso dele e avançou em Dérick dando uma voadora que acertou sua cabeça. Dérick caiu fazendo um estrondoso barulho. Victor novamente foi pra cima dele com o canivete na mão, eu gritei implorando que ele não matasse Dérick, foi quando vi um vulto voando em cima de Victor, acertando-lhe um soco no rosto. Carlos estava na briga também. Victor se afastou neste momento e Carlos foi levantar Dérick. Dérick tirou sua camisa e amarrou em volta do braço ferido, estancando levemente o sangue. Quando os dois se viraram, Victor já estava comigo em seus braços, novamente ameaçando me matar com aquele canivete. Os dois ficaram sem ação por algum tempo e Victor caminhou até a porta, ordenando que eles se afastassem simultaneamente.  

- Pode ficar sossegado, irmãozinho. Eu te mando um cartão postal de onde eu e Letícia estivermos! – Victor sorriu vitorioso. Mas ele não contava com uma terceira visita. Mestre Enzo. Ou dispensando formalidades “bdsmistas”, Sargento Enzo, da Força Tática Policial.

- Poupe seus esforços, meu irmão. Sua casa está cercada! – Dérick rosnou.

- Você tem duas opções, Victor! Ou se entrega por bem e tem sua pena reduzida, ou eu não pouparei esforços para te manter longe das ruas pelo resto da sua vida! – Enzo afirmou.

- Vou sair daqui com Letícia e você não fará nada quanto a isso, se não eu a mato! – Victor frizou. – Ela está em meu poder e você não pode com isso!

- Não será louco de matar Letícia agora. Ela é sua única segurança. Com ela morta não te darei garantia nenhuma de que sairá daqui vivo. Mas se a soltar poderemos conversar! – Enzo continuava com a negociação. – Na sua situação atual seria loucura fazer algo contra ela! – ele lembrou.

- Sério? – Victor zombou enquanto forçava o canivete contra meu tórax, fazendo um pequeno corte. Eu gritei na hora. Enzo endureceu esboçando uma carranca em seu rosto e apontando a arma para Victor. Nesse mesmo momento senti o corpo de Victor sendo impulsionado contra o meu. Dérick o havia acertado em um local estratégico de suas costas. Eu juntei toda a força que conseguia fazer e me lancei para longe de Victor, caindo a alguns centímetros distantes, mas ainda ao alcance dele. Quando Victor se lançou ao meu encontro um barulho de tiro ecoou pela casa fazendo com que todos ficassem apreensivos. Olhei para cima encarando Enzo, mas o tiro não partiu da arma dele. Voltei meu rosto para ver quem havia sido atingido e quando fixei o olhar vi Victor caído no meio de uma poça de sangue e Dérick segurando uma arma. Céus! Ele havia matado o próprio irmão para me defender. Eu não sabia se me sentia aliviada ou culpada pelo acontecimento, mas sabia que agora não haveria mais ameaça. Enfim, eu estava livre e, mesmo me sentindo egoísta por pensar assim, a morte de Victor significava uma nova página em minha vida.

A cena do crime estava formada, como num clichê. A mocinha, um bandido e três defensores. “A história certamente daria um filme... trágico!”, eu pensei. Antes que eu pudesse me aproximar de Dérick toda a casa foi tomada por mais alguns poucos soldados da força tática e alguns paramédicos. Eu fui levada para um lado, Dérick para outro, enquanto fitas adesivas eram colocadas para demarcar a cena do crime e impedir o acesso de curiosos. Mestre Enzo me seguiu para se certificar de que estava tudo bem comigo. Ele perguntou alguma coisa, mas eu estava muito zonza para conseguir assimilar tudo o que estava acontecendo e ainda responder a inquéritos. Estava com febre alta há pelo menos umas duas horas e agora estava sendo afetada por ela. Quando fui deitada em uma maca confortável, todos os meus instintos e meu corpo pediam. Eu estava prestes a adormecer, para não dizer “capotar” literalmente, mas antes consegui balbuciar algumas palavras ao Sargento Enzo.

- Dérick... legítima defesa... me salvou... não o prenda... por fav... – eu não completei. Enzo colocou o dedo em minha boca me silenciando. Depois me reconfortou.

- Não, querida, não foi legítima defesa. Ele estava em serviço e agiu para proteger uma vítima! – ele falou. Eu arregalei os olhos na medida do possível, então ele prosseguiu. – Dérick também é da força tática e tenha certeza de que, se ele não te contou antes, foi apenas para te proteger. Descanse anjo. Amanhã tudo estará resolvido! – eu adormeci pelo cansaço e pelo efeito do medicamento que havia sido injetado em mim. Meus pensamentos giraram em torno do “amanhã tudo estará resolvido”. Mas eu não esperava que sim, não sem saber o destino de Dérick. Não sem ele ao meu lado.

********
O cheiro de hospital era inconfundível. Assim como toda aquela movimentação de enfermeiras e médicos passando de um lado para o outro. Eu observava tudo isso da pequena brecha da porta que dava para o corredor, em meio a breves relapsos de consciência alternados com estranhos pesadelos de minha própria realidade. Mas nunca via nem ouvia muito, pois logo adormecia novamente. Enfim, depois de um sono que parecia interruptível, eu consegui despertar. Eu fiz alguns movimentos, muito dolorosos por sinal, e logo estava sendo amparada. Espremi os olhos para conseguir enxergar quem era, talvez os medicamentos tivessem me deixado grogue daquele jeito. “Nota: não tomar mais medicamento nenhum até conseguir ficar completamente sã e ‘sóbria’”, eu refleti. Ele sorriu ao perceber meu esforço em fitá-lo.

- Aos poucos e lentamente, bebê! Deve ter tido o mesmo sucesso quando tentou abraçar o mundo sozinha... e aposto que tentou mesmo! – Dérick suavemente conversava comigo. – Você me deu um susto. Está proibida de ficar tanto tempo dormindo assim! Achei que nunca mais fosse lembrar de quão lindo seus olhos ficam quando se esforça em mantê-los abertos! – ele me beijou na testa. Eu levantei o rosto tentando ganhar outro beijo, desta vez na boca. Mas ele não fez. – Se eu beijá-la vou ter que interromper seu tratamento e arrancá-la desta cama só para tomá-la em meus braços enquanto saboreio seus doces lábios, minha pequena! Por isso vou me policiar, não quero ser negligente! – ele piscou.

- Ficar longe dos seus braços é quase a morte. Está me condenando duas vezes por isso! – eu resmunguei. Ele abriu aquele sorriso lindo que só ele tinha. Como um deus grego, uma escultura viva. Nem aquele odor terrível de hospital conseguia impedir a manifestação do cheiro delicioso de Dérick quando estava desejoso. Cheiro de macho... no cio. Senti isso quando ele deslizou sua mão pesada e quente sobre o manto do hospital, passando pelo meu seio e chegando até meu ventre, onde apoiou a mão. “Oh sim! Os pesadelos haviam sido reais!”, eu entristeci ao lembrar. – Nosso bebê, Dérick. Era nosso! Victor não podia ter filhos, ele me contou antes de... antes de... – eu fechei os olhos. – Antes de matar nosso bebê! – solucei. Dérick acompanhou meu sofrimento também muito entristecido. Senti a revolta atenuar a dor em seu peito. – Eu sinto muito, meu amor. Sinto por nossa perda... sinto pelo que teve que fazer por minha culpa...

- Não, bebê. Não sinta! Não foi culpa sua! – ele assegurou-me carinhosamente.  – Por mais que fosse meu irmão. Deus sabe o quanto eu lutei por ele, mas infelizmente ele mereceu esse final! Ele mereceu! – Dérick cerrou o punho, visivelmente machucado, tanto por dentro quanto por fora. Eu me preocupei e ele percebeu. Me acalmou com outro beijo. – Teremos outro bebê, docinho! Não vai substituir o nosso primeiro bebê, mas o protegerei como nunca. Tanto ele quanto você. Seremos uma família, bebê. Diz pra mim... você quer ser minha família? – Dérick perguntou. Eu, emocionada, balancei a cabeça em afirmação.

- É tudo o que mais desejo!

- Então é o que terá, bebê! É o que teremos! Seremos uma família! E vou colocar uma aliança em seu dedo e não será só isso! Te protegerei dia e noite, dormirei ao seu lado para afastar nossos fantasmas e pesadelos, serei seu dono, seu mestre, e você será a razão da minha vida. Alguém por quem eu nunca vou cansar de lutar, alguém de quem eu nunca vou desistir, alguém que protegerei com minha vida! Você quer isso, bebê?! – ele perguntava, preocupado com minha opinião.

- Amor, tudo isso seria muito mais do que eu poderia desejar! Eu te amo tanto!

- Eu também, bebê! Eu também te amo! Muito!

*****
Um mês depois

- Uau, Letícia! – Suzy falou surpresa. – Nunca te vi tão super produzida assim! – ela sorriu. Samantha e Carlos a acompanharam nisso. Eu corei no mesmo momento.

- Não precisa ficar vermelha, querida! Ela só quis dizer que você está linda! – Samantha complementou.

- Onde está Dérick? Ele vai deixar você sair sozinha produzida desse jeito? – Carlos estranhou, quase debochando.

- Estou indo me encontrar com ele no clube! – eu respondi.

- Clube? É festa? Também quero ir! – Suzy brincou.

- Dérick já convidou vocês para irem ao clube, mas acho que não vão gostar muito... só acho... – eu sorri sem graça. Na verdade fiquei imaginando o que os três fariam num clube como aqueles. Bem, talvez na noite da festa dos swingers ou dos “baunilhas fetichistas”, mas fora isso o clube me parecia ser um local um tanto impróprio para eles. Ou talvez fosse apenas um pré-conceito meu, pois em relação à pelo menos Samantha e Carlos, eu não teria tanta certeza de que o clube Segredos não fosse um lugar para o qual eles iriam. Eles eram tão alternativos e libertinos que pareciam não ter limites para nada. Já Suzy era mais fechada, na dela. Uma mulher muito segura. Olhando de longe ela até daria uma ótima Domme, mas ela não demonstrava nenhum interesse do tipo. Aliás, ela não demonstrava nada, parecia até uma caixinha de surpresas quando descobríamos algo sobre ela. Reservada era a palavra certa. Eu não fazia idéia do porque dela ser assim, pois era muito carismática e amiga, mas deveria ser por motivos muito pessoais e tudo o que fazíamos era respeitar aquele jeito misterioso dela.

- Hoje é seu dia, Lê! Vá você! Longe de nós atrapalharmos uma noite tão especial! – Samantha disse.

- Como sabe que a noite vai ser especial? – Carlos perguntou curioso.

- Só um “tolo” não perceberia! Basta olhar para ela, ver esses olhinhos brilhando, a feição tensa porém feliz, e a produção deslumbrante! – Samantha ralhou com Carlos. – A noite promete, querido! – ela finalizou. Ele concordou com a cabeça. E eu, sorrindo, me despedi de todos eles.

Pegar a estrada sozinha já não me deixava tão nervosa assim. A tristeza maior que sobrou daquele tempo turbulento era a lembrança devastadora de meu ventre vazio. Havia se passado um mês, mas as dores ainda eram evidentes. Dérick achou que eu teria que enfrentar meus medos e dirigir sozinha até lá. Eu aceitei o desafio e agora lá estava eu guiando meu próprio carro por aquelas estradas sombrias e de tantas lembranças ruins. Fiz a volta para entrar no estacionamento de cima, onde ficava mais fácil o acesso para a portaria da frente, por onde Dérick me fez prometer que eu entraria. Promessa feita, promessa cumprida. O chefe da portaria, Mestre Apolo logo me reconheceu.

- Olá, pequena sub! Seja novamente bem vinda! – ele falou abrindo um discreto sorriso. – Quer que eu chame “alguém” para acompanhá-la na entrada?

- Não, obrigada. Quero fazer uma “meia surpresa”! – eu respondi com um sorriso tímido.

- Como quiser! – ele falou abrindo as portas de entrada do clube. Uau! Era aquele o lugar que eu havia entrado pela primeira vez acompanhada de Victor! Tudo estava exatamente como antes, um lugar de luxúria total. A única coisa diferente era que agora aquele lugar não era uma prisão para mim, muito pelo contrário, significava agora a minha liberdade.

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